31/10/2010

Minha outra vida de aprendiz

Além de todas as informações e técnicas que eu tenho aprendido na escola, no trabalho, tenho outras grandes lições nessa minha vida de aprendiz.

Trabalhar na cozinha, não é como cozinhar em casa, e não está relacionado, meramente, com a quantidade com que lidamos, ou com os ingredientes com que trabalhamos.

Digo isso pelo dinamismo com que a cozinha deve funcionar, sem esquecer da harmonia. Quem está lá dentro pela primeira vez, se assusta, mas depois de um tempo, se acostuma.

Panelas enormes, pesadas, quentes. Fogo e facas para todos os lados. Timer apitando por causa da pasta cozida ou algo no forno. Pedidos sendo gritados. Mãos e braços pra todas as direções.

Em meio a esse caos.. a harmonia para atender e enviar todos os pratos de uma mesma mesa no mesmo instante. Compor um prato, ou um conjunto de pratos de forma uniforme para todos os clientes.

Quando tudo termina, até parece que foi "coreografado".

O primeiro lugar que eu trabalhei na cozinha, foi num restaurante de teishoku (almoço) e izakaya (noite). De forma simplificada um teishoku é um "combi" de arroz, miso-shiru, oshinko (geralmente um tsukemono - "conserva ou pickles"), proteína (que seria como um componente principal - main) e uma salada.
Nesse lugar, o menu muda, mais ou menos, de acordo com as estações do ano; e apresenta dois cardápios que variam semana A, semana B, semana A.....

Todos os pratos apresentam arroz, sopa (miso-shiru) e salada, independente da proteína. Exceto pelos pratos de noodles, udon ou pasta que substituem o arroz.

Todos os dias de manhã, eu cozinhava cerca de 8 quilos de arroz, preparava 3 a 4 kilos de salada de repolho, 4 a 6 kilhos de kara.age de carne de porco (que era um main fixo), e as guarnições de cada prato do dia daquela semana: entre cortar pepinos em tiras, cebolinha em rodelinhas bem pequenas, preparar os cutlets de porco, cortar os mitsubas, preparar os tsuyus (caldos) de cada noodle, cozinhar legumes, etc.. etc.. etc.. Era trabalho que não tinha fim....

Tudo tinha que estar preparado antes de abrir a loja ao público. E quando abria... Lá vem os pedidos!
Cada dia era diferente, mas tinha um padrão, pedidos entrando; o pico da quantidade de pedidos, ... e tudo se acalma. Quando não se tem muitos pedidos, não é hora de descansar, ainda! Afinal de contas, a loja abre a noite! Então.. vamos fazer os preparativos da noite. Isso quando não é preciso reabastecer algo do próprio almoço. Correria total! (Ah, sim! Às vezes vinha o segundo pico... )

O almoço era rodado em 3 pessoas. Cada pessoa era responsável por um dos componentes principais do teishoku, e a sessão menos carregada, era responsável por suprir o arroz e a sopa de todos os combis. Por isso, a comunicação é imprescindível na cozinha; pra quem assiste ou assistiu Hell´s Kitchen, sabe do que eu estou falando.

Eu, às vezes enlouquecia com os pedidos! Eu tinha kara.ages na fritadeira, noodles e udons no fogo (yudemenki - maquina para cozinhar pastas), carne no forno e estava montando os pratos (guarnições). Loucura loucura loucura. E cada um dos "main´s" que estava prestes a ficar pronto, eu gritava para que os acompanhamentos fossem preparados, também.

Enquanto estava preparando um pedido, já começava outro. E tudo acontecia de forma muito dinâmica, por exemplo, ao me preparar para colocar algo na fritadeira, eu já estendia o braço pro outro lado (yudemenki) para dar uma misturada nos noodles na água fervente, para não grudar. Ou às vezes, quando eu ia pegar um dos itens das guarnições na geladeira e passava pela fritadeira dava uma balançada na "peneira" no que estava sendo frito.. já sem perceber.

Com o tempo, o corpo já estava se movendo automaticamente.
Eu acabava pensando em mil e uma coisas ao mesmo tempo, mas parecia que estava pensando só em uma.

Mas quem disse que o primeiro dia foi assim?

No primeiro dia, eu não consegui montar um prato sozinha, por não ter memorizado todos os componentes, por não ter memorizado a posição de cada componente, sem falar na desproporção inicial ao "pesar" com as mãos. No começo, eu tinha que pesar tudo na balança porque ainda não era estável. Com o tempo, só de olhar a gente já tem uma idéia de quanto tá colocando.
Mesmo assim, de tempos em tempos, nessa loja, fazíamos uma "calibragem" do peso/da quantidade que deve ser servido em cada prato.

No primeiro dia, eu me perdi nas ordens dos pedidos, não conseguia memorizar as quantidades e as sequências de nada! (ainda mais em japonês!).

No primeiro dia, eu, praticamente, só cozinhei o arroz (de preparativos) e guardei toda a mercadoria do dia, que também era minha responsabilidade (legal.. acabei de chegar e já tinha que saber onde guardar!). Nada de outros itens, e eu achava que seria impossível naquele tempo fazer tudo!

No primeiro dia, eu não fiz nenhum preparativo da noite.

É... foi um "choque", deu tilt total na minha cabeça. Mas por conta disso... o contato inicial do segundo trabalho foi bem mais light! Mas sobre o segundo trabalho.. vou explorar com mais calma, aos poucos, nos próximos capítulos dessa novela que é a minha vida!