31/12/2010

Final de Ano

Final de ano é sempre motivo de festa, mesmo que durante o ano inteiro tenha havido pouco o que festejar, ou pouco tempo para isso.

E, falando em tempo, 2010 chegou ao final e eu pensei que teria escrito muito mais aqui..
Peço desculpas, e como uma resolução de final de ano, escreverei mais nesse blog, mesmo porque, percebi o aumento de leitores durante a minha ausência e tenho que me esforçar!

Bom...
Hoje, dei uma passadinha pra não passar em branco, mas em breve colocarei mais um post nesse blog!

Para todos que estão me acompanhando, um Feliz Ano Novo, que 2011 seja um ano de muitas realizações!
E que tenhamos muitas boas surpresas!



31/10/2010

Minha outra vida de aprendiz

Além de todas as informações e técnicas que eu tenho aprendido na escola, no trabalho, tenho outras grandes lições nessa minha vida de aprendiz.

Trabalhar na cozinha, não é como cozinhar em casa, e não está relacionado, meramente, com a quantidade com que lidamos, ou com os ingredientes com que trabalhamos.

Digo isso pelo dinamismo com que a cozinha deve funcionar, sem esquecer da harmonia. Quem está lá dentro pela primeira vez, se assusta, mas depois de um tempo, se acostuma.

Panelas enormes, pesadas, quentes. Fogo e facas para todos os lados. Timer apitando por causa da pasta cozida ou algo no forno. Pedidos sendo gritados. Mãos e braços pra todas as direções.

Em meio a esse caos.. a harmonia para atender e enviar todos os pratos de uma mesma mesa no mesmo instante. Compor um prato, ou um conjunto de pratos de forma uniforme para todos os clientes.

Quando tudo termina, até parece que foi "coreografado".

O primeiro lugar que eu trabalhei na cozinha, foi num restaurante de teishoku (almoço) e izakaya (noite). De forma simplificada um teishoku é um "combi" de arroz, miso-shiru, oshinko (geralmente um tsukemono - "conserva ou pickles"), proteína (que seria como um componente principal - main) e uma salada.
Nesse lugar, o menu muda, mais ou menos, de acordo com as estações do ano; e apresenta dois cardápios que variam semana A, semana B, semana A.....

Todos os pratos apresentam arroz, sopa (miso-shiru) e salada, independente da proteína. Exceto pelos pratos de noodles, udon ou pasta que substituem o arroz.

Todos os dias de manhã, eu cozinhava cerca de 8 quilos de arroz, preparava 3 a 4 kilos de salada de repolho, 4 a 6 kilhos de kara.age de carne de porco (que era um main fixo), e as guarnições de cada prato do dia daquela semana: entre cortar pepinos em tiras, cebolinha em rodelinhas bem pequenas, preparar os cutlets de porco, cortar os mitsubas, preparar os tsuyus (caldos) de cada noodle, cozinhar legumes, etc.. etc.. etc.. Era trabalho que não tinha fim....

Tudo tinha que estar preparado antes de abrir a loja ao público. E quando abria... Lá vem os pedidos!
Cada dia era diferente, mas tinha um padrão, pedidos entrando; o pico da quantidade de pedidos, ... e tudo se acalma. Quando não se tem muitos pedidos, não é hora de descansar, ainda! Afinal de contas, a loja abre a noite! Então.. vamos fazer os preparativos da noite. Isso quando não é preciso reabastecer algo do próprio almoço. Correria total! (Ah, sim! Às vezes vinha o segundo pico... )

O almoço era rodado em 3 pessoas. Cada pessoa era responsável por um dos componentes principais do teishoku, e a sessão menos carregada, era responsável por suprir o arroz e a sopa de todos os combis. Por isso, a comunicação é imprescindível na cozinha; pra quem assiste ou assistiu Hell´s Kitchen, sabe do que eu estou falando.

Eu, às vezes enlouquecia com os pedidos! Eu tinha kara.ages na fritadeira, noodles e udons no fogo (yudemenki - maquina para cozinhar pastas), carne no forno e estava montando os pratos (guarnições). Loucura loucura loucura. E cada um dos "main´s" que estava prestes a ficar pronto, eu gritava para que os acompanhamentos fossem preparados, também.

Enquanto estava preparando um pedido, já começava outro. E tudo acontecia de forma muito dinâmica, por exemplo, ao me preparar para colocar algo na fritadeira, eu já estendia o braço pro outro lado (yudemenki) para dar uma misturada nos noodles na água fervente, para não grudar. Ou às vezes, quando eu ia pegar um dos itens das guarnições na geladeira e passava pela fritadeira dava uma balançada na "peneira" no que estava sendo frito.. já sem perceber.

Com o tempo, o corpo já estava se movendo automaticamente.
Eu acabava pensando em mil e uma coisas ao mesmo tempo, mas parecia que estava pensando só em uma.

Mas quem disse que o primeiro dia foi assim?

No primeiro dia, eu não consegui montar um prato sozinha, por não ter memorizado todos os componentes, por não ter memorizado a posição de cada componente, sem falar na desproporção inicial ao "pesar" com as mãos. No começo, eu tinha que pesar tudo na balança porque ainda não era estável. Com o tempo, só de olhar a gente já tem uma idéia de quanto tá colocando.
Mesmo assim, de tempos em tempos, nessa loja, fazíamos uma "calibragem" do peso/da quantidade que deve ser servido em cada prato.

No primeiro dia, eu me perdi nas ordens dos pedidos, não conseguia memorizar as quantidades e as sequências de nada! (ainda mais em japonês!).

No primeiro dia, eu, praticamente, só cozinhei o arroz (de preparativos) e guardei toda a mercadoria do dia, que também era minha responsabilidade (legal.. acabei de chegar e já tinha que saber onde guardar!). Nada de outros itens, e eu achava que seria impossível naquele tempo fazer tudo!

No primeiro dia, eu não fiz nenhum preparativo da noite.

É... foi um "choque", deu tilt total na minha cabeça. Mas por conta disso... o contato inicial do segundo trabalho foi bem mais light! Mas sobre o segundo trabalho.. vou explorar com mais calma, aos poucos, nos próximos capítulos dessa novela que é a minha vida!

23/09/2010

Vida de aprendiz

Foi assim: eu resolvi que ia começar este blog, levar a sério... e entraram as provas da escola.
Como eu sempre fui uma aluna aplicada, deixei para "estudar" na última hora e então.. o blog foi deixado um pouco de canto...

Mas aqui estou eu, novamente!!!

Tinha (na verdade, tenho) tantas idéias sobre as quais eu ainda quero escrever e explorar, que estava difícil decidir sobre com que assunto retomar este blog. Foi então que resolvi contar um pouco sobre essa minha vida de aprendiz, na escola.

Sobre o curso...
Escolhi fazer o curso noturno de culinária, pra ter mais tempo disponível para trabalhar. Ele apresenta 3 módulos e cada um leva cerca de 6 meses.
Em todos os módulos são administradas aulas teóricas e práticas. Mas as provas práticas são realizadas somente no segundo e no terceiro módulo.

Este semestre eu terminei o segundo módulo (09.2010) - o ano letivo japonês é um pouco diferente do do Brasil.

As provas escritas não são muito difíceis, em geral são de alternativas e apresentam 20 questões para serem respondidas em 30 minutos. Mas alguns professores podem e já apresentaram questões dissertativas (eu odeio quando isso acontece, pois não é a minha língua-mãe).

No semestre passado eu estava mais despreparada em relação ao japonês e por isso tive mais dificuldades para estudar, ler/entender as questões e responder. Mas esse semestre eu consegui terminar as provas com uma certa folga e até deu tempo de conferir! Me surpreendi! (Mas ainda tenho muito o que estudar da língua).


Pois é... mas como eu dizia, esse semestre é o segundo módulo e a minha maior preocupação foram as provas práticas, que além de ter uma nota de corte mais elevada que as teóricas, como o próprio nome diz, é prático!.. Não adianta eu "estudar".. tenho que treinar, e técnicas não se adquirem da noite para o dia.

Os tipos de culinária que são administrados ao longo do curso são: culinária japonesa, culinária chinesa, culinária ocidental (francesa, italiana e espanhola) e patisserie (confeitaria).

Para cada tipo de culínária, foi cobrado alguma técnica super básica, sendo que o desempenho para passar, deveria estar 70% "bom", no mínimo - mas a forma de avaliação, os critérios, são bastante subjetivos, principalmente porque dependem dos olhos do avaliador...
Eles avaliaram o resultado final e a técnica.

Para a prova de culinária:
(1) japonesa:
(a) pepinos em rodelas finas (segurando "dois" pepinos de uma vez, o professor falou que na vida real - restaurantes - é necessário fazer três de uma vez), usando a faca 薄刃包丁 USUBA BOUCHOU;
(b) filetar carapau - o que aqui eles chamam de 三枚卸し SANMAI OROSHI "separar em 3 pedaços", após a limpeza geral (水洗い MIZU ARAI), usando a 出刃包丁 DEBA BOUCHOU.

(2) chinesa:
(a) pepinos em tiras finas (meio pepino em 3 minutos);
(b) gengibre e "長ネギ NAGANEGI" (da família da cebolinha) picadinhos (um cubo de 2x2x2 cm³ de gengibre e 1/3 de NAGANEGI em 4 minutos).
Tudo usando a 中華庖丁.

(3) ocidental:
(a) batatas em chateau (3 pcs em 4 minutos usando a petit knife);
(b) cebola hacher (1/2 cebola picadinha usando a petit knife e a chef¨s knife).



(4) patisserie:
(a) desenhos com o saco de confeitar, como o do lado em 6 minutos.






01/08/2010

SHOKUIKU - 食育

Quando fiz a minha apresentação, comentei que "encontrei nas minhas origens, uma filosofia bastante interessante" e que foi por isso que resolvi vir até essa terra de "olhos puxados" para me profissionalizar.

Essa filosofia, é o shokuiku, que traduzido, literalmente, quer dizer "Educação Alimentar", e realmente, o seu significado não foge da sua tradução. No entanto, no Japão, essa palavra está ligada a muitos outros conceitos.

Meu conhecimento era superficial na época, e fui atraída, simplesmente, pela "alimentação saudável nipônica". Mas, desde que comecei os meus estudos na "Ecole de Cuisine et Nutrition Hattori", aprofundei-me um pouco mais sobre o assunto, e fiquei mais entusiasmada, ainda, com essas pequenas descobertas!

"Brincar" com os ideogramas japoneses, foi a forma que a jornalista e educadora Toshiko Sunada encontrou para ensinar às crianças (bem, não só às crianças) os princípios básicos de uma boa alimentação. Então, utilizando essa mesma forma lúdica, gostaria de apresentar algumas dessas minhas descobertas!

Os três ideogramas da esquerda são: 人 HITO (pessoa), 良[い] YO[I] (bem), 育[つ] SODA[TSU] (cuidar). 

Juntando hito 人 e yoi 良, temos o kanji 食 SHOKU que também pode ser interpretado como alimento/alimentação. 





Observando a palavra 育, vemos um bebê (como se ainda estivesse na barriga da mamãe) e o ideograma 月, que está presente em outros ideogramas como:   (cérebro), (é um dos kanjis que compõe a palavra placenta), (representa os órgãos), (ossos), (coluna/costas). 

Daí, podemos dizer que "cuidar" está ligado aos diversos componentes do nosso organismo através de 月.

Assim, 食育 pode indicar que o alimentar-se é cuidar da saúde do corpo.

Vamos brincar com outras palavras agora:


A palavra vida 命 INOCHI é a imagem de alguém rezando em forma de agradecimento 感謝 KANSHA.

A vida é sagrada, e quando comemos, estamos tirando a vida de outro ser, por isso, devemos ser gratos e sabermos valorizar a nossa comida, sem deixar sobras no prato. Aqui também entra o conceito de MOTTAINAI, e o respeito ao ambiente (ecologicamente correto).

 


A palavra felicidade 福 FUKU (ou ainda afortunado) pode ser desmembrada da seguinte forma:

一 HITO (um)
口 KUCHI (boca)
田 (leia-se DA)
ネ (leia-se NE)

traduzindo seria algo como: Uma bocada, né!
E não devemos desprezar nenhuma bocada!

O ato de se alimentar, deve ser um ato de felicidade, deve ser feito de forma prazerosa.

As palavras 口福 e 幸福 são lidas da mesma forma: KOUFUKU, a primeira representa o saborear e a segunda significa felicidade.

 
 Vamos falar de um ícone da alimentação japonesa: o arroz.

Uma das formas mais conhecidas e mais utilizadas em obentos ("marmitas" japonesas) são os onigiris (o arroz moldado dessa forma triangular, como no desenho ao lado). Eles também são conhecidos como 結び MUSUBI que quer dizer laço/ligação/elo.

E são esses MUSUBIs feitos pelas mães para os filhos (no Japão, é comum os alunos - estudo integral - levarem marmita na escola para almoçarem) que reforçam esse laço familiar.

Observação: as palavras filho e filha em japonês são, respectivamente, MUSUKO e MUSUME.

父 母 の心を ムスメ と ムスコ に ムスブ!


Outro importante alimento na cultura japonesa é a soja, que é um tipo de grão MAME (beans).

Esse ideograma também está presente nas palavras: ATAMA cabeça, [か] YUTA[KA] riqueza, [び] YOROKO[BI] alegria, [る] NOBO[RU] subir/escalar.

Diz-se que comendo grãos fortalecemos nossa mente, deixamos o corpo rico/saudável e o coração alegre. Tendo uma boa fonte de energia, somos capazes de subir as montanhas! (Vamos encarar o Monte Fuji?)

20/07/2010

Apresentação

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer pela sua visita.
Tentarei retratar nesse blog, o meu dia-a-dia de aprendiz de cozinheira - que é o que sou atualmente. Também pretendo colocar um pouco dos meus estudos a respeito desse mundo que é a gastronomia. Sim, é um mundo diferente.

Mas, antes de iniciar essa viagem (interprete como quiser), começo este blog com uma breve apresentação.
Sou brasileira com descendência japonesa - terceira geração. Me formei em engenharia de alimentos, estava a trabalhar numa empresa de ingredientes, quando percebi que minha paixão pela comida, era pela comida servida "quente" (exceto pelas saladas, alguns aperitivos, etc), daquela comida que nos faz ficar com água na boca, que desprende aroma dos alimentos e ervas de verdade, e, quando bem feito, preservam as cores "naturais" dos alimentos! Que delícia!

Foi então, que resolvi me aventurar nesse novo mundo. Fiz algumas pesquisas, e encontrei uma filosofia sobre alimentação, bastante interessante, nas minhas origens. E foi por isso que vim parar no Japão.

Hoje, sou aluna de culinária da Ecole de Cuisine et Nutrition Hattori e aprendiz de cozinheira ("part-time-job") num restaurante francês chamado Fish Bank Tokyo.

Antes de começar nesse francês, trabalhei um tempo (6 meses) em um outro restaurante tipo Izakaya que servia teishoku durante o almoço, que se chama Butadouraku (buta em japonês eh porco, e esse restaurante era "especializado" em carne de porco). Em algum post eu contarei mais sobre essa experiência.

Espero que esse blog seja, de alguma forma, útil a você leitor, e também, que seja um meio de intercâmbio a respeito desse assunto tão saboroso!